FANS DO TURCA

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

SEO CARMO.

Seus pais eram Húngaros.

Viveram na época da segunda guerra e o velho passou parte da vida mancando por causa de uma seqüela da segunda guerra mundial quando próximo a ele estourou uma mina.

Para fugir dos fantasmas destas tragédias, vieram para o Brasil e aqui geraram aquele que 60 anos mais tarde seria meu Avô.

Calman Kachae.
Nome pouco usual, difícil de entender na realidade.
Teve infância difícil em bairro humilde da Zona Sul e trabalhou a vida toda como ferramenteiro.

Quando criança ao tentar entrar em um jogo de futebol, foi expulso do campo, pois jogava mal e ainda apanhou de um dos meninos.

Este episódio o fez odiar futebol e negros, cor do garoto que bateu nele.

Era racista ao extremo. Passou esse defeito maravilhoso para minha mãe que evidentemente também adquiri. Pelo menos até transar com a minha primeira negra.

Nunca mais fui racista. Adoro esta raça de meu DEUS.

Conheceu minha avó já tarde, ela era 10 anos mais velha que ele e já era viúva.

Tiveram minha mãe e quando eu nasci ele já estava aposentado.

Tinha estatura média, calvo e extremamente magro.

Calman era um nome difícil até para a minha avó pronunciar. Então Calman virou CARMO para facilitar.

Lembro-me na infância de ouvir os vizinhos o chamando de Seo Nelson.

Eu não entendia nada até que me falou que era conhecido assim, pois nos bares do bairro desfilava seus dotes musicais cantando músicas de Nelson Gonçalves e tocando seu violão
Além de ter uma aparência física muito próxima ao renomado Boêmio.


Nessa época enchia a cara de cachaça e chegava em casa às vezes carregado, feliz da vida. Quebrava alguns pratos e depois dormia. Só Bebia cerveja, nada de pinga ou vodca.

Isso sempre acontecia desde quando minha mãe era criança, fato esse que afastou bastante os dois. Minha mãe não se relacionava muito bem com ele.

O Sangue Húngaro maldito fazia dele uma pessoa de poucos amigos. Era muito encrenqueiro, implicava com os vizinhos e a molecada na rua . Recebia com frequencia algumas ameaças de morte de pequenos marginais da rua por causa dele.

Era um velho muito vigoroso, não ficava parado nunca. Ora mexia no carro ora na casa ou na rua.
Limpeza reforma mecânica, hidráulica. Fazia de tudo, era impressionante.

Cresci vendo aquele velho trabalhar, sempre em serviços pesados.
Construiu a casa que eu moro sozinho. Herança que me deixou.

Costumava andar como um Andarilho, com as roupas todas sujas.
Tinha um dia do mês que ele ficava irreconhecível. Era o dia de sacar a aposentadoria.

Ele colocava sua melhor roupa lavava o Fusca Branco e ia ao Banco como se fosse a um casamento.

A rua inteira ficava admirada. Ele era um Velho muito elegante “quando queria” e tinha até um pouco de charme. Deu muita pulada de cerca quando mais jovem.

Nos dias de forte calor eu ficava desesperado. Ele colocava um Short estampado como o do tarzan e saia sem camisa na rua.

Parecia uma vareta de óculos. A molecada filha da puta não perdoava e me enchiam o saco.

Outra coisa que ele fazia que me deixava a ponto de me matar era quando colocava seus discos de vinil do Nelson no último volume na garagem para a Vila inteira ouvir.

Na frente dele, ninguém falava nada, mas a mulecaaaaaada... PQP.

Gostava de presentear cachorros e gatos da rua com belos tiros de bola de ferro através de seu potente estilingue. Ele adorava quando acertava a cabeça.

Na realidade o velho tinha um sangue ruim do caralho!

Mas eu o admirava muito, especialmente quando me ensinou o que fazer quando acabava a bateria do carro.

Seo Carmo: Samir quando você crescer e tiver um carro, pode acontecer de acabar a bateria do seu carro.
Quando acontecer isso, pegue esse cabo e peça para outro motorista parar para te ajudar.

Eu ouvia atentamente a instrução.

Seo Carmo: Quando o camarada parar você diz pra ele...

Neste momento notei que ele deu uma risada especialmente sarcástica.

Seo Carmo: Você diz: "Ô meu camarada você pode vir aqui para me fazer uma CHUPETA?"

Graças a Deus nunca me acabou a bateria do carro...

Os anos passaram e um belo dia meu avô acordou com seu lado direto paralisado.

É aquele senhor com toda a vitalidade do mundo teve um derrame e estava condenado a viver o resto da vida daquele jeito.

Eu ainda era criança e era muito triste vivenciar o sofrimento dele. O velho durão ficou frágil, chorava por qualquer coisa, enrolava a língua. Era uma merda.

Qualquer coisa o deixava muito nervoso aí ele esbravejava gritava dava escândalo. Era foda!

Certa vez fui ajudar a trocar a camisa dele. Ele estava deitado, tive que deixá-lo sentado, mas ele não conseguia ficar ereto.
Ao tirar um dos braços soltei o outro e ele tombou.

Bateu a cabeça com tudo na quina da parede e ficou naquela posição com aquela cara de ódio para mim.

Eu pensei...

AGORA FODEU!

Ele olhou bem nos meus olhos e meu disse e tom suave:

- Samir “pausa média” ____________ _ _ _ _ _


_ _ _ Não me enerve !

Até hoje utilizo esta frase com pessoas que estão me deixando profundamente PUTO.

Houve outra situação que chegamos da fisioterapia e ele quis colocar uma camisa.


A camisa tinha uns 45 botões e ele com uma mão só resolveu colocá-los sem a ajuda de ninguém.


Fui para a rua e voltei depois de uma hora.
Encontrei-o colocando ainda o terceiro botão.

Não agüentei... Comecei a rir a falei bem alto:

CARALHO, ainda aí?

Estou ouvido os gritos de ódio e xingamentos dele até hoje.

Em outra ocasião resolveu Plantar uma árvore em frente de casa. Pediu que eu segurasse uma Talhadeira para ele Enfiar a marreta já que não tinha as duas mãos para fazer sozinho.
Eu fiquei desesperado, se ele errasse iria arrancar minha mão. Ele olhou para mim e disse :

Seo Carmo : Tá com medo rapaz ? Não confia no seu avô ?

Mas eu confiava nele.

Precisou de umas 6 marretadas para fazer o buraco. Quando terminado tinha a sensação de ter perdido 57 Kg .

Um segundo derrame o derrubou de vez. Ficou em estado vegetativo uns dois meses até que nos deixou.

Embora uma pessoa de personalidade muito forte e que não cultivou grandes amizades.

Em seu velório até seus inimigos declarados sentiram o pesar de sua ausência.

O Respeitavam muito por sua presença de espírito, vitalidade e garra.

Eu sinto muito a falta dele, tenho certeza que foi herança dele a força que busco para passar por cima dos meus percalços como um rolo compressor . Foi deste sangue Húngaro em minhas veias.

E hoje a única retribuição que posso dar a ele é a de não deixar morrer a letra K nos nomes dos meus futuros herdeiros.

E quando quero falar com ele, coloco-me ao lado da árvore que Plantou e tenho certeza que ele está lá para me ouvir.

Obrigado Avô. Você foi o Cara !

Fique bem, onde estiver.

Fim de papo.

Excepcionalmente hoje, O HÚNGARO.

5 comentários:

  1. Samir,

    Esse foi o melhor conto de todos, até agora.
    Seo Carmo, Sr. Calman, Sr. Nelson ou Sr. Húngaro deve estar muito orgulhoso de você.

    Um abraço,
    Isabel Domingues - irmã do Alfredo

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  2. O texto realmente é muito bom! Até eu, que nunca vi qualquer um dos meus avôs vivo, fiquei emocionado.

    Sugiro, daqui um tempo, selecionarmos os melhores textos e lançarmos um livro de contos.

    Posso ser seu agente e encheremos a burra de grana!

    Grato!

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  3. Muito emocionado, principalmente de descobrir a origem do não me enerve...

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  4. Muito emocionado... e também feliz ao descobrir a origem do não me enerve...
    Grato

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